Opinião

Verão quente

I. A outra tina
Enquanto lá fora, os termómetros insistem em contrariar os negacionistas das alterações climáticas, no mundo da dita realidade alternativa que se apressa a ser a narrativa dominante, a marcha do tempo corre sem parar. Em Haia, o complexo militar industrial esfregou as mãos de contente com o compromisso assumido pelos membros da NATO de gastar 5% do seu Produto Interno Bruto nos respetivos orçamentos nacionais de defesa. E, se as novas e velhas tensões geopolíticas aconselham o reforço das forças armadas, uma breve e simples comparação do investimento preconizado, alerta-nos para uma desproporção evidente. Se o contributo dos estados-membros para as receitas próprias da União Europeia corresponde a cerca de 1% do seu produto interno bruto, e com ele se financia praticamente todos os programas comunitários, da Política Agrícola Comum à Política de Coesão, o compromisso de investir 5% do PIB na defesa comum da NATO, ainda que diluído no tempo até 2035, dá a ideia de como hoje se aceita, sem quase resistência alguma (exceção honrosa para Espanha), objetivos ditos incontornáveis. Voltamos, uma vez mais, à velha lógica da tina (there is no alternative) que não só penaliza orçamentos como enfraquece a robustez das instituições democráticas por impor soluções que têm o potencial de mudar o rumo dos acontecimentos, sem discussão ou sequer fundamentação criteriosa.

II. A culpa é do mordomo
Enquanto a canícula aperta, e pelos corredores se tornam mais ou menos audíveis, algumas preocupações com os mais do que prováveis ajustamentos à Política de Coesão e à Política Agrícola Comum, a significarem menos verbas, alguns ensaiam renovadas e estafadas tentativas de desresponsabilização. O problema é que, do mesmo modo que nos romances policiais nem sempre a culpa é do mordomo, também na vida política já não dá para culpar sempre os mesmos. Pode até ser que, entre os pingos da chuva, os aprendizes de spin-doctor de ocasião, consigam iludir os mais distraídos, mas quando se olha para a paisagem política e se constata que os governos regional e nacional, a maioria esmagadora quer da Comissão quer do Conselho Europeu e até o Parlamento Europeu são dominados por partidos de direita, com destaque para a família política do PSD, não dá mesmo para continuar a culpar os mesmos de sempre sem cair no ridículo ou na farsa.

III. (In)dependentes?
Uma das causas para o declínio democrático prende-se com a fraqueza do setor da comunicação social. Cada vez mais refém de um modelo de negócio anacrónico, os jornais e demais órgãos de comunicação social lutam para se manter à tona de água. Se é certo que a esmagadora maioria dos profissionais de comunicação social fazem hoje das tripas coração para honrar os pergaminhos de uma profissão tão essencial à democracia como o próprio ar que respiramos, não é menos verdade que são muitos e de variada ordem os constrangimentos que hoje enfrentam e que fazem, pelo menos, estremecer as fundações do exercício da atividade jornalística e temer pela sua independência face às diferentes pressões, sejam elas políticas ou financeiras. Isto, obviamente, sem sequer falar dos que, por opção ou natureza, são manifestamente tendenciosos. Mas, estes, felizmente, para além de minoritários, topam-se a léguas.